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09 Fev 24
10 min

Como superar o fim de um relacionamento

Uma abordagem filosófica sobre separações.

Antes da leitura

Escrevo o texto abaixo de mente aberta e coração no alto. Todas as opiniões expressas são frutos de estudo e experiências de vida acumulados até esse dia e hora. Me reservo o direito de aperfeiçoar as ideias a medida que amadureço mentalmente, emocionalmente e espiritualmente na busca por alcançar uma Reta Opinião.

Este artigo foi originalmente escrito para a BHBC (Broken Heart Boys Club), projeto voluntário que venho trabalhando com meu amigo Sterling, que tem como finalidade ajudar homens a se relacionarem melhor consigo mesmos e com suas parceiras. Por esse motivo, o texto foi escrito voltado para esse público, mas é aplicável a qualquer pessoa que sofre pelo fim de um relacionamento afetivo.

Te convido a conhecer o projeto nos acompanhando no YouTube e no Instagram. No momento, o projeto está sendo desenvolvido somente em inglês, mas pensamos em traduzir o conteúdo no futuro. Enquanto isso não acontece, é com alegria que compartilho parte do que publicamos no site neste meu blog pessoal.

Sobre finais

Existe uma dualidade fundamental da qual nem sempre estamos conscientes: existe o que é transitório e existe o que é eterno.

A maioria de nós, por força do momento histórico em que vivemos, a cultura em que crescemos e a educação que tivemos, conseguimos perceber e nos relacionar, na maior parte do tempo, somente com um desses aspectos: o que é transitório.

Seja o objeto com o qual nos relacionamos uma batata, um carro, uma parede, nosso corpo, ou um relacionamento, fato é que tudo isso é passageiro. Um dia, daqui a 10 dias ou 100 anos, tudo isso terá um fim.

Portanto, saber lidar com finais é essencial.

Quando algo importante para nós termina, somos tomados por uma série de emoções intensas e dolorosas que abalam nosso cotidiano, e, principalmente, impactam nossa consciência.

Dentre essas emoções, encontramos a frustração, a raiva, a tristeza, o medo, a saudade, a angústia, a culpa, e em alguns casos, o desespero.

Todas essas emoções são muito válidas e naturais num processo difícil como esse, desde que tenham uma característica em comum: um prazo de validade adequado.

Não podemos arrastar esse sofrimento por mais tempo que o necessário, isso nos prejudica e também causa danos àqueles ao nosso redor, principalmente os que mais amamos.

Então, como superar o término de um relacionamento?

O que não fazer

O fim de um relacionamento nunca é fácil e deve ser encarado de frente, de peito aberto, com coragem.

Coragem vem do Latim e significa “ação do coração”. A coragem é essa força cardíaca que nos impulsiona a nos movimentar para enfrentar nossos medos e agir apesar deles, com prudência.

Em um término, nos vemos diante de um momento único na nossa vida, um momento de desafio. De repente não temos respostas, o futuro se torna incerto, e aquilo que parecia seguro na nossa vida não é mais. O medo nos domina e nos paralisa.

Para onde ir? Por quê? Como?

Antes de responder a essas importantes perguntas, precisamos primeiro definir para onde não ir.

Ao conversar com amigos ou família, recebemos uma ampla lista de conselhos. Uma boa parte deles gira em torno de uma saída fácil e confortável para o nosso ego sofredor: a fuga.

Evitar encarar as causas que nos levaram ao ponto em que chegamos é adiar o sofrimento para algum momento no futuro e evitar todo o benefício e proveito que se poderia tirar dele.

Ouvimos conselhos como:

  • “Você precisa mostrar pra ela que superou… faça X, Y e Z”
  • “Aproveita que tá solteiro agora, tem muita mulher lá fora. Depois que casar já era!”
  • “Vá viajar pra espairecer, esquece isso!”

E tantos outros que focam numa solução rápida e externa a nós. Ao aceitar tais conselhos, estamos abandonando a oportunidade que a vida está nos dando para crescer.

É preciso olhar para além da dor e enxergar esse momento com bravura e maturidade.

Só há um caminho possível e que vale a pena ser caminhado, e esse caminho é para dentro de nós mesmos.

Entendendo a dor

Para saber o que fazer quando um relacionamento termina, primeiro é necessário entender o que é esse momento que se está vivendo. Precisamos falar, então, sobre o que é a dor e o motivo da sua existência.

Uma abordagem filosófica nos permitirá refletir sobre as causas mais profundas da existência da dor. O objetivo não é abranger todos os aspectos do assunto, mas instigar o pensamento para que você encontre suas próprias respostas.

O que é a dor?

A dor pode ser definida como:

“Um sentimento de angústia e sofrimento diante de um estímulo interno ou externo, agressivo ou percebido como tal.”

Ou seja, aquilo que é tomado como agressivo, ou é de fato agressivo, e que ameaça o nosso equilíbrio físico e psicológico.

Por que a dor existe?

Para tentar responder a essa pergunta, façamos uma viagem no tempo e na história da humanidade, procurando o que alguns desses grandes homens que passaram por aqui tinham a dizer sobre a dor.

Filosofia Oriental

No Oriente, podemos citar Sidarta Gautama, o Buda, cujos ensinamentos tratavam bastante sobre o assunto.

Sidarta, por volta de 500 a.C., fala sobre 4 Nobres Verdades:

  1. A dor existe
  2. A causa da dor é o desejo
  3. É possível superar a dor
  4. A dor é superada pelo Nobre Óctuplo Caminho:
    • Palavra Correta
    • Ação Correta
    • Meio de Vida Correto
    • Esforço (mental) Correto
    • Atenção Correta
    • Concentração Correta
    • Pensamento Correto
    • Correta Compreensão (Visão Interior, Sabedoria)

Sem aprofundar em cada item, podemos refletir um pouco sobre seus ensinamentos.

Primeiro, que a dor existe, é real, faz parte desse mundo e vamos experienciá-la, portanto, se faz necessário aprendermos a lidar com ela.

Buda também fala sobre a causa da dor, que está no apego que temos às coisas, ao desejo por tudo aquilo que, inevitavelmente, terá um fim.

E, por último, que é possível superá-la através de atitudes corretas, tanto internas quanto externas, ou seja, a superação da dor reside numa mudança de comportamento diante da vida: um bom uso da mente e ações mais equilibradas.

Uma das perguntas que os ensinamentos de Buda nos deixam é: “estou tendo atitudes equilibradas na minha vida ou estou me deixando levar pelos excessos?”

Mitologia Grega

Vindo para o Ocidente, mais precisamente para a Grécia Antiga, encontramos naquele tempo uma deusa de nome Algea, conhecida por ser a personificação da dor. Notamos que, se existia uma deusa entre esses povos antigos é porque existia uma necessidade.

Se olharmos para o nosso mundo moderno podemos observar algumas necessidades. Será que existiriam tantas invenções e tecnologia se não existisse a dor? O ser humano se moveria para algum lugar, sairia da inércia, sem a dor?

Todas as grandes invenções foram criadas para sanar alguma dor da humanidade.

E no indivíduo? Será que existe alguma necessidade para ela?

Quando tropeçamos no pé da mesa e sofremos aquela dor terrível, nossa consciência é imediatamente levada para aquele pequeno ponto do nosso corpo e tomamos consciência dele. Uma parte absolutamente ignorada por nós de repente se torna a coisa mais importante.

Parece, portanto, que a dor serve como veículo de consciência, ela nos indica um espaço em nós que precisa de atenção, precisa de importância.

Com isso, podemos nos perguntar: “que espaço é esse que estou negligenciando e que a dor vem apontar?”, “o que é essa necessidade interior de mim para mim mesmo, que eu não estou dando atenção?”

Estoicismo em Roma

Quando adoecemos fisicamente, a dor indica esse espaço no nosso corpo físico. Existe uma falta de saúde no corpo. Ao ser re-estabelecida a saúde, essa necessidade é sanada e a dor cessa.

Não seria o mesmo movimento em relação ao nosso corpo emocional?

Quando uma dor está presente no nosso emocional, ela também indica uma falta: uma falta de confiança na vida que, ao ser re-estabelecida, faz cessar a dor.

Essa confiança na vida é um sentimento interno e profundo de que tudo o que acontece a nós tem sua razão.

Encontramos esse pensamento nos filósofos estóicos em Roma, que falavam sobre essa confiança na vida já no segundo século do nosso tempo.

Marco Aurélio, filósofo e último grande imperador romano, dizia:

Nada acontece ao homem que não seja próprio do homem.Marco Aurélio

Também encontramos algo semelhante em Epíteto, filósofo e escravo romano:

Pratique assumir uma atitude grata diante da vida e você será feliz. Se você enxerga tudo de uma perspectiva mais ampla e compreende a utilidade das coisas que acontecem, é natural que dê graças ao Supremo por tudo o que ocorre no mundo.Epíteto

Lúcia Helena Galvão, filósofa contemporânea e professora em Nova Acrópole, comenta essa passagem de Epíteto:

“A partir do momento que passamos a confiar na vida, percebemos que ela é cosmos e não caos. Seus acontecimentos obedecem a uma inteligência exata, que dá a cada um aquilo que lhe corresponde. Portanto, encontramos propósito, sentido nos acontecimentos da vida. E percebemos que, eles sempre, quando bem aproveitados, podem nos deixar maiores do outro lado depois da sua passagem.

Quando percebemos isso, somos gratos à vida. Não cobramos nada, não imprecamos contra os acontecimentos, não temos expectativas que as coisas sejam de outra forma, se não daquela que a vida escolheu, porque ela é mais sábia do que nós.”

Com base no pensamento dos romanos, podemos nos perguntar: “estou confiando no que a vida tem me oferecido?”, “estou aceitando o fato e buscando ajuda para superá-lo ou apenas prolongando o sofrimento por um tempo além do necessário?”

O pensamento moderno

Eckhart Tolle, escritor alemão contemporâneo, fala:

A vida lhe dará qualquer experiência que seja mais útil para a evolução de sua consciência.Eckhart Tolle

Parece que, mais de 2 mil anos depois, o homem continua chegando às mesmas conclusões: a dor faz parte de um processo pedagógico.

É interessante observar como todos esses ensinamentos da antiguidade se fazem muito úteis nos dias de hoje e estão, de certa forma, presentes no nosso cotidiano com uma roupagem mais moderna.

Numa academia, por exemplo, buscamos o crescimento dos músculos do nosso corpo físico, e sabemos que não existe um crescimento real se não existe a dor da quebra das fibras musculares e sua posterior regeneração.

“No pain, no gain” – sem dor, sem ganho. A frase, dita tão frequentemente nas academias, remete, em sua essência, ao ensinamento dos antigos. Ganhamos algo ao superar um processo doloroso.

Levando esse pensamento para o plano emocional, qual é o ganho que essa dor pode nos proporcionar?

Talvez, ao superar essa dor, possamos sair mais maduros, mais preparados para enfrentar dores semelhantes, ou evitá-las. Com o aprendizado, podemos agregar mais valor a nós mesmos, às pessoas que amamos, ao mundo.

Por esse ponto de vista, a dor consiste numa oportunidade sagrada proporcionada pela vida para nos fazer olhar para dentro de nós mesmos, ampliar nossa consciência, e buscar trazer, da nossa parte mais elevada, valores, virtudes e sabedoria, que possam somar ao nosso viver e contribuir para a vida daqueles ao nosso redor.

Ao olhar para esse ponto ignorado por nós - nossos comportamentos, nossos sentimentos mais profundos - podemos mudar nossas atitudes, realizar um processo de crescimento interior e, consequentemente, confiar mais na vida.

A dor nos faz buscar o amor – infinito e atemporal – que há em nós, e voltá-lo para nós mesmos e para aqueles que mais precisam dele.

Lidando com a dor

Sendo o término de um relacionamento um processo, ele exige tempo.

Tudo o que refletimos até agora serve como base dessa jornada de descoberta de si mesmo. Na mesma proporção em que é necessária a reflexão, também é necessária a ação.

Existem medidas muito importantes que auxiliam na vitória desse desafio. Você não precisa passar por isso sozinho. Procurar ajuda é um ato de coragem e humildade.

Essas medidas são como as armas e a armadura de um cavaleiro, ambas o preparam para a batalha interna que está lutando.

São algumas delas:

  • Se afaste
    A distância física e psicológica é extremamente necessária para te permitir olhar para si mesmo. Ficar checando os perfis de redes sociais da ex-parceira não ajuda, pelo contrário. Essa é uma atitude danosa que desvia o foco de si próprio, suga energia, gera mais emoções negativas, e impede a superação desse momento doloroso.
  • Busque ajuda profissional
    É difícil lidar com a dor sozinho, e um profissional capacitado, como um psicólogo ou um terapeuta, pode fazer toda a diferença para te ajudar a passar pelo processo com mais consciência e sem tanto sofrimento.
  • Crie uma rede de suporte
    Invista um tempo de qualidade com as pessoas que se importam com você, seja a família, os amigos, os companheiros do templo que frequenta – onde se sentir acolhido. Esse suporte emocional vai te apoiar quando a dor for muito forte para suportar sozinho.
  • Evite um relacionamento rebote
    Para evitar olhar para nós mesmos, muitas vezes procuramos saídas mais fáceis e confortáveis, como um novo relacionamento para esquecer o anterior. Porém, ao fazer isso, só estamos adiando o inevitável: mais sofrimento por não nos permitir o tempo necessário para olhar aquilo que a dor quer nos indicar. Evite uma nova parceria agora, dê a si mesmo o tempo que precisa para se curar, regenerar suas forças.

Como alguém que já passou por isso algumas vezes, posso dizer que esse é um momento extraordinário de transformação e crescimento interior. Use esse processo para enfrentar as suas sombras, aquilo que você tem evitado enfrentar. Aproveite essa oportunidade que a vida está te dando para se tornar uma pessoa melhor, mais equilibrada, amadurecer.

Eu te garanto, um dia você será grato por isso.

Agradecimentos
Foto de capa de Vladislav Babienko na Unsplash

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Foto de Thiago sorrindo

Autor

Thiago Rossener

Desenvolvedor front-end, filósofo e espiritualista

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