Recentemente, tive a oportunidade de refletir um pouco sobre o que é um bom pedido de desculpas para um novo vídeo que estamos fazendo para a BHBC.
Essa reflexão rendeu bons frutos, por isso decidi compartilhá-la nesse meu blog pessoal.
Como de costume, para entender melhor uma questão, procuro me basear na origem das palavras e nos ensinamentos de homens e mulheres que demonstraram sabedoria na sua passagem por esse mundo.
Sinta-se à vontade para comentar, concordar ou discordar dos pensamentos expostos aqui. Ficaria muito grato em ouvir sua contribuição nesse tema tão importante para manutenção dos nossos relacionamentos.
O que é uma desculpa?
A palavra culpa vem do latim e significa “crime, descuido, negligência, dano”, portanto, desculpa seria a tentativa de se livrar de uma culpa, comprovando que ela não existiu ou assumindo que existiu e retratando-se por isso.
Podemos assumir que a culpa existiu genuinamente, e pavimentar o caminho para a reparação, ou nos enganar para obter algum tipo de benefício, abrindo as portas para a repetição.
O pedido de desculpas verdadeiro só pode ser realizado quando reconhecemos a nossa culpa em um ocorrido. Parece óbvio, mas é mais fácil pedir desculpas por uma pressão social, ou por medo de perder algo ou alguém, do que de fato reconhecer nossa culpa.
Esse pedido de desculpas falso quebra a confiança num relacionamento, e em nós mesmos, pois tornamos a repetir o acontecido.
Em “A Arte de Viver”, o filósofo estóico Epíteto fala:
‘‘Se são os nossos sentimentos sobre as coisas o que de fato nos atormenta, e não as coisas em si, conclui-se que culpar os outros é tolice. Portanto, quando sofrermos reveses, perturbações, ou desgostos, não culpemos jamais os outros, mas nossas próprias atitudes.— Epíteto
Ou seja, se o que nos atormenta é a raiva, a insegurança, a frustração, o medo, etc, não faz sentido culpar os outros, mas o nosso despreparo para lidar com essas emoções. E só quando percebemos esse despreparo é que conseguimos sentir remorso.
O despreparo vem de uma falta de consciência – que tem origem do latim conscire, e significa “saber algo consigo mesmo”, ou “possuir a si mesmo”.
Só conseguimos reconhecer a nossa culpa quando o ocorrido fere o que sabemos de nós mesmos, os nossos valores. Em outras palavras, se nos conhecemos pouco, é muito difícil reconhecer a nossa culpa, e mais fácil culpar os outros.
‘‘Conhecer os outros é inteligência, conhecer-se a si próprio é verdadeira sabedoria. Controlar os outros é força, controlar-se a si próprio é verdadeiro poder.— Lao Tsé
O que é um bom pedido de desculpas?
É o reconhecimento de um erro para com o outro sem a expectativa de ser desculpado. É um ato de humildade e responsabilidade, pois identificamos as nossas limitações e assumimos o compromisso de trabalhar para superá-las.
Em um bom pedido de desculpas não esperamos uma reação favorável da outra pessoa, mas mostramos para nós mesmos e para o outro o nosso remorso, a vergonha que sentimos diante da nossa consciência.
Segundo o terapeuta John Bradshaw, a vergonha é a "emoção que nos deixa saber que somos finitos".
Em outras palavras, temos um limite para o alcance do nosso amor, paciência, respeito, etc. O que envergonha nossa consciência aponta para onde podemos crescer como seres humanos, expandir esses limites.
Como pedir desculpas?
Um bom pedido de desculpas precisa ter duas características: ser empático e ser verdadeiro.
Ser empático significa levar em consideração o sentimento da outra pessoa em relação à sua atitude.
Ser verdadeiro significa ser coerente, alinhar nossa ação com o que pensamos e com o que sentimos.
Antes de um pedido de desculpas, é preciso se perguntar: “o que essa pessoa sentiu quando eu agi dessa maneira?”; “o que eu poderia ter feito diferente?”; “isso que eu acho que poderia ter feito diferente é realmente o que eu sinto que poderia?”
Muitas vezes somos acusados e cobrados de atitudes que poderíamos ter feito diferente, mas nem sempre essa demanda está de acordo com o que temos a capacidade de oferecer.
Ninguém cobraria uma atitude diferente de um cego que esbarrou num vaso e o quebrou, sua capacidade de enxergar é limitada. Da mesma forma, temos as nossas limitações mentais e emocionais.
A pergunta “o que eu poderia ter feito diferente?” exige muito equilíbrio e maturidade para não justificar nossas ações pelas circunstâncias, ou atitudes do outro, nem nos sobrecarregar exigindo de nós uma ação que está além da nossa capacidade.
Você é paciente e poderia ter sido mais paciente? Ótimo, peça desculpas por isso.
Você não tem um braço e não poderia bater palmas? Seu pedido de desculpas jamais será verdadeiro. Ninguém pode dar aquilo que não tem para dar.
Quando pedir desculpas?
Há um momento certo para pedir desculpas: após o reconhecimento do erro e antes que a outra pessoa crie um rancor.
Se pedimos desculpas antes do momento certo, não é verdadeiro, por dois motivos: ou não levamos em consideração o sentimento da outra pessoa, ou o que pensamos e sentimos não está de acordo com o que falamos.
Se pedimos desculpas depois do momento certo, ele se torna irrelevante, pois as emoções negativas já desenvolveram raízes no outro. O pedido perde sua força de restauração.
Quando alguém sofre por uma atitude nossa, e nos importamos com essa pessoa, precisamos parar e refletir sobre nós mesmos o quanto antes. Um laço foi desatado, e precisa ser refeito.
Um relacionamento é costurado ponto a ponto, como uma colcha de retalhos. Se continuamos desatando os pontos que conectam um pedaço a outro, sem nunca restaurá-los, a colcha se desfaz.
E se o perdão não vem?
Por mais que sejamos autênticos, levemos em consideração os sentimentos da outra pessoa e façamos isso no momento certo, há sempre a chance de não sermos perdoados. E precisamos estar preparados para isso. Fizemos o melhor que podíamos.
‘‘Aquele que faz o seu melhor, faz tudo o que se pode esperar dele.— Helena P. Blavatsky
O dano está feito e, ao não perdoá-lo, a outra pessoa tira nossa oportunidade de reparação. Isso aniquila o nosso poder de compensação para com ela, mas não o nosso poder de compensação em si.
Se não podemos compensar esse dano a ela, nos resta compensar esse dano ao próximo, pois ao reconhecer as nossas falhas e procurar trabalhá-las, adquirimos esse poder. Agora podemos agir diferente. Agora temos mais consciência.
Com essa consciência ampliada, conseguimos praticar o autoperdão.
O autoperdão nos liberta dos pesos que nos amarramos, e ganhamos forças para crescer. Mais leves, deixamos de olhar para os fardos que arrastamos atrás de nós e passamos a olhar para a estrada que se abre à nossa frente.
‘‘Ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.— Chico Xavier