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10 Fev 24
3 min

Um conto de Natal atrasado

O dia que vivenciei um milagre de Natal.

Peço licença, em meio ao Carnaval, para contar uma história.

É uma daquelas histórias curtas, mas que deixam marcas por um bom tempo.

Na semana de Natal, presenciei um milagre.

Sim, um evento da mais pura participação divina.

Calma, calma, não tem nada de sobrenatural nessa história. Pelo contrário, o extraordinário foi sua naturalidade.

Andávamos eu e minha esposa pelo mercado municipal de Taubaté. Uma tarde comum. Um dia de feira.

Conversávamos sobre o óbvio: laranjas, maçãs, bananas e o preço alto do kiwi.

Dobramos uma esquina entre as barracas. Dobramos outra. E foi ali que aconteceu.

Do lado oposto daquele corredor vinha uma moça – baixa estatura, morena, olhos escuros, cabelos cacheados, presos num rabo de cavalo. Carregava consigo uma caixa térmica, e emitia jovialidade. Seu sorriso, o mais sincero possível.

– Boa tarde! – disse bem animada.

– Boa tarde! – dissemos sorrindo.

Um milagre. Não acredita em mim?

Paramos e ouvimos o que ela tinha a dizer. Suas palavras saiam acompanhadas de muitas lágrimas:

– Obrigado. Estou o dia todo vendendo essas trufas pra fazer uma ceia para os meus meninos. Vocês foram as primeiras pessoas que pararam e me deram um “boa tarde”.

Minha esposa e eu nos entreolhamos, surpresos. Como aquilo era possível? Ninguém? No Natal?

Perguntamos quanto eram as trufas. Com lágrimas nos olhos, ela continuou:

– Já ganhei meu dia, não precisam comprar nada. A atenção de vocês já foi o suficiente.

A emoção transbordou dela pra gente. De repente, no meio daquele mercado, três pessoas choravam presenciando um momento mágico. Como eu disse, um milagre.

A conversa seguiu, aquela moça realmente estava dando o seu melhor. Apesar de toda a sua dificuldade para vender uma trufa sequer, nas vésperas de Natal, ela estava disposta a não nos vender nada por um simples “boa tarde”.

Isso me fez questionar muitas coisas. Será que podemos oferecer algo mais valioso que o dinheiro?

Compramos algumas trufas. Ela nos agradeceu, fez uma oração, e nos despedimos todos com um abraço.

Ah… que momento intenso!

Me vem a mente um ensinamento da tradição oriental, que diz:

Melhor que mil palavras vãs é uma simples palavra que dá paz a quem a ouve.

Depois disso, acho que compreendo melhor o que ele quer dizer.

Não se trata apenas de “uma palavra”, numa interpretação literal, mas de todo o contexto envolvido. A forma como se diz faz toda a diferença.

Podemos fazer uma boa ação, um bom gesto, realizar um bom trabalho e, ao mesmo tempo, transmitir raiva, estresse, indiferença.

Penso que o “como” fazemos algo é tão importante quanto o “o que” fazemos. Talvez até mais, pois o “o que” é filho do tempo e está sujeito às suas leis, mas o “como” ecoa de coração em coração pela eternidade.

Aquele dinheiro, aquelas trufas, aquela ceia, aquela mulher, os seus filhos, eu, você, tudo isso é passageiro nesse mundo. Tudo isso é o “o que”.

Porém, o “como” – a generosidade na atenção, a fraternidade nos olhares, o amor no gesto, a gratidão no choro – isso permanece. E permanece porque ecoa.

O “como” é atemporal, é eterno. Ele vive de vida em vida. Seja na vida das pessoas que foram contagiadas por ele e, um dia o tomarão como exemplo e o transmitirão, ou, se considerarmos a reencarnação, nas nossas próprias vidas.

Nesse sentido, o “como” é a porção do tempo que ampliamos em nós para realizar novos “o que”s. O “como” nos aproxima do Mistério, nos aproxima da eternidade.

Agradecimentos
Foto de capa de Jonathan Chng na Unsplash

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Foto de Thiago sorrindo

Autor

Thiago Rossener

Desenvolvedor front-end, filósofo e espiritualista

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